Há muito ainda a se pensar em relação às instituições e suas organizações e exclusões, suas cenas de compaixão, e sua sincera crise no alinhamento de grupos.
A fim de dar continuidade às questões abordadas sobre o projeto da “Rádio Lelé” a partir de uma matéria que saiu no portal do selo da Strads – sobre o disco de Rabay (@rabay.br) e sua experiência sonora desenclausurando as vozes e as ondas das clínicas com seus pedais de loop. Você pode encontrar a matéria pelo título Rádio Lelé: Rabay cria disco coletivo com pacientes de hospitais psiquiátricos, por Gustavo da Silva no site https://strads.com.
Abordar as refs tanto contemporâneas quanto históricas que produziram uma resistência ao que foi instaurado pela instituição psiquiátrica ao intervirem com a arte como potência de criação de si na produção de imagens, e não apenas como produtos no banco de imagens mercadológico e galerístico. O que proponho pensar aqui é: como seguir os caminhos que esses expoentes protagonizaram na reforma macropolítica de uma psiquiatria ainda mais violenta do que a que temos hoje, e os resíduos que ainda enfrentamos até então, refletido na nossa micropolítica assombrada pela norma das instituições sobre o nosso comportamento. Quais as relações aos bloqueios desses fluxos na alteração do “código de visualização” das obras como uma tarefa do inconsciente, sem o estigma da loucura no teatro mercadológico das obras de arte em seus vários segmentos institucionais.
Nise de Silveira trouxe muitas elaborações acerca da arte na psique, e criou o Museu do Inconsciente localizado no Rio de Janeiro, o que nos oferece uma grande análise sobre o possível furo institucional ao deslocar a produção de imagens das paredes da “loucura“ e criar o circuito de arte independente das instituições da norma.
O hospital psiquiátrico que levava o nome da médica que revolucionou a psiquiatria foi fechado há mais de um ano. Nise foi de extrema importância para quebra da ideia de que o paciente deve ser dissociado da sociedade e morar num manicômio, espaços ativos apenas para recuperar o paciente para o retorno à sociedade, mesmo que essa sociedade também precise de recuperar-se. Os últimos pacientes deste hospital foram levados para o que chamam de “residências terapêuticas” onde em tese teriam um tratamento mais humanizado, foi um erro aparentemente um hospital psiquiátrico levar o nome dela, enquanto carregavam em suas práticas, ideais contraditórios aos que Nise implementou.
O instrumento da análise institucional é a matéria obrigatória do momento que vivemos se quisermos caminhar sem muros pra dar de cara o tempo todo. Há análise de sobra, e nos interessamos em reunir as sobras até que esse jogo subverta em vida, e game over pra esquizofrenia do capital das imagens na psique.
O que é muito potente, poder ser verborrágica e sangrar em palavras, já que não temos o direito ao corpo digno transeunte e livre de violências e ou doenças, só o virtual do inconsciente pode mover as células por aqui. E isso de verborragia me lembra Stella do Patrocínio, que intitulava suas performances poéticas de “ falatório” e já dizia Lacan “a doença é a palavra não dita” construir saúde mental na sociedade depende de pessoas que tenham ouvidos e muito também das que abrem espaços e palcos sem públicos específicos, apenas dar a chance de crescermos como plantas querendo retornar a terra fértil ou a uma vida num vaso menos doméstico possível e mais selvagem no melhor dos sentidos.
A história de Stella ilustra muito bem como a patologização e o diagnóstico passa muitas vezes longe do cuidado e se encontra literalmente por uma “curadoria policial”. Stela foi ‘psiquiatrizada’ (como ela mesmo dizia) apreendida pela polícia direto para um manicômio onde a traduziram como esquizofrênica. Mas como não ser esquizofrênica quando seu corpo está vulnerável a uma abordagem policial que te leve ao diagnóstico? onde poderia estar Stella que outros corpos não estavam ? Qual foi o ruído que exigiu a atenção policial? por que não temos direito ao ruído? A natureza toda faz som, parece que estamos fadados apenas a contar histórias infindáveis e rir alto incansavelmente até perder a graça e vermos que não é nada disso! A matéria citada no início do texto sobre a Rádio Lelé aborda um trabalho sonoro que muito me faz pensar na poesia, e nas vozes como esse ruído não permitido .
A matéria sobre a “rádio lelé” citada no início do texto trata do som e da escuta na prática do som e dos aparatos tecnológicos como armas de proteção contra os sufocamentos quando essa usada para arte, no caso dos pedais de loops sobrepondo as vozes e analisando o quanto é potente o deslocamento da doença para o transe de uma produção artística tem sido como arte um trabalho sonoro que muito me faz pensar na poesia, e nas vozes como esse ruído não permitido. Porém, por se encontrarem em situação de internação, a questão dos direitos de imagem dos autores é intermediada e muitas vezes tutelada pela administração dos hospitais, ficando subordinada a sua avaliação limitante. Na matéria diz: “Porém, por se encontrarem em situação de internação, a questão dos direitos de imagem dos autores é intermediada e muitas vezes tutelada pela administração dos hospitais, ficando subordinada a sua avaliação.”
A questão da perda da autoria tão conceituada e pouquíssimo aplicada nos artistas de dentro do cercadinho do mercado, acontece aqui por uma questão que não tem nada a ver apenas com a perda da autoria, mas a perda de sua existência, existir ao ter a possibilidade de ser compartilhado. Porém a máquina transformou as vozes em simultaneidades e co – criações, não existe um autor, e sim vários. Matar o autor como os jovens artistas do cercadinho mercadológico adoram discursar em suas práticas e pouco refletem sobre, não é uma solução existencial, quando a morte existe para muitos , e a vida eterna apenas para alguns.
Um adendo, passo pelo pior momento da minha saúde mental e é muito importante esse espaço independente para expor o que venho estudando de análise institucional fora da instituição, muito obrigada a transcuradoria das dúvidas possíveis por essa forma de imaginar e pôr em prática as energias vitais.
Esse texto está sendo um ótimo exercício e me despeço prometendo voltar e revoltar como os retalhos de Bispo do Rosário, espero e tenho certeza que nenhum assunto foi esgotado e nem teria como, que sigamos na teia da aranha. Segue a conexão!
Denise Nuvem – fevereiro 28, 2022